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Parte 2. Síndromes que atingiram em cheio a igreja brasileira

Atualizado: 13 de mar. de 2019

Outra “síndrome” a considerar é a Síndrome da Valorização Invertida. Como assim? Você já vai entender. Permita-me compartilhar um pouco da minha experiência pessoal com você (tenha em mente que muitos se identificam com alguns fatos que vou narrar aqui). Desde tenra idade tenho ao servido ao Senhor de forma muito dinâmica, sempre atuante na casa de Deus. Lembro que me tornei membro da Assembleia de Deus em seis de janeiro de 2002, quase dois meses depois que meu pai faleceu de forma trágica, vitimado por um atropelamento quando voltava do trabalho com a sua velha bicicleta. Tornar-me membro da Assembleia de Deus foi uma grande bênção do Senhor para mim naquela época, pois foi um período dificílimo da minha vida. Mesmo antes de fazer parte desta denominação, eu já me identificava muito com ela.


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De lá para cá, eu pude exercer diversas atividades, tais como professor e superintendente de Escola Bíblica Dominical, fui organizador de dois conferências de EBD (Escola Bíblica Dominical), uma conferência teológica, realizei trabalhos de ensino bíblico, evangelismo, escrevi livros e a história prossegue pela graça de Deus. Trabalhar assim no ambiente da Assembleia de Deus me fez amar ainda mais a denominação, envolver-me mais com pessoas que estiveram ao meu lado, mas me fez enxergar também os problemas que a cercam. A Assembleia de Deus (como tantas outras igrejas evangélicas) foi atingida pela Síndrome da Valorização Invertida. Como se dá isso? A resposta é: Quando valorizamos menos o que é de maior presença e importância para nós em nossas igrejas e ministérios e valorizamos exacerbadamente o que nos é de menor presença e de menor importância. Fui vítima desse problema quando eu estava plenamente envolvido na obra de Deus. Quando isso aconteceu comigo, meu coração foi invadido por uma tristeza justamente por isto: não ser valorizado como um talento local da igreja à qual pertenço – a Assembleia de Deus. Esse sentimento foi totalmente estranho para mim que, até então, nunca tinha sentido um “nó na garganta” tão forte assim. Mas isto foi bom por um lado: fui levado a uma profunda reflexão sobre se o que estou fazendo é realmente para Deus e se estou disposto a superar isto justamente por este fato – por que é para Ele acima de tudo! Com isso eu amadureci bastante, mas isso não significa que eu não tenha sido afetado de certa forma. Confesso que estou bastante decepcionado com o que está acontecendo na obra de Deus (não estou decepcionado “com a obra de Deus”). Quando passamos por um processo assim, parece que nossos olhos se abrem para enxergar realidades que até então ignorávamos. Acredito até que isso parte do próprio Deus que deseja que reconheçamos estas deficiências para que trabalhemos no sentido de corrigi-las. A Síndrome da Valorização Invertida acontece quando:


Damos mais valor a pregadores e cantores e cantoras famosos que só vem em nossas igrejas se receberem dinheiro (e muito!) e não damos o devido valor aos “vasos de valor” que há em nossas próprias igrejas que, não raro, trabalham e se desgastam pela obra de Deus sem nada receber em troca. Quando preferimos investir vultosas quantias em eventos que realizamos em nossas igrejas que duram apenas alguns dias e não investimos, por exemplo, na EBD, um “evento” que dura todos os dias do ano por todos os anos trazendo incontáveis benefícios para a obra de Deus. Não tenho absolutamente nada contra congressos, conferências, simpósios, etc., mas sou terminantemente contra o fato de gastarmos grandes quantias nesses eventos, mas ignorarmos outros setores importantes e fundamentais da Igreja como a EBD. Devemos investir em um setor, mas não ignorar outro igualmente (e talvez até mais) importante para a Igreja do Senhor como o é a EBD.


Quando investimos tanto dinheiro em ostentações desnecessárias como púlpitos caríssimos, fachadas altamente ornamentadas, templos suntuosos, etc., e não investimos em pessoas, em seres humanos, ou ainda, naquele bom e velho linguajar igrejeiro: em “almas”. Por que não gastamos mais com a obra de ação-social? Com casas de recuperação para drogados? Eu sei que a Igreja está fazendo tudo isto, mas sei também que como Igreja do Senhor poderíamos sim fazer muito mais! É claro que quando uma igreja local cresce, ela haverá de precisar de uma boa estrutura física, com salas, gabinete, equipamentos de som, etc., mas não há como negar que muitas vezes gasta-se muito mais do que o que é realmente necessário!


Convido você a orar junto comigo para que possamos influenciar na mudança da nossa querida Igreja brasileira. Que nossos líderes e nós todos, de uma forma geral, possamos reconhecer os que trabalham entre nós! Esse foi o desejo de Paulo para a igreja de seus dias (1 Tessalonicenses 5.12).


Por fim, quero ainda considerar a Síndrome do Culto Evangélico Pomposo. Sim, isso mesmo! Lendo Laurent Gagnebin, pastor e teólogo protestante francês, em O Protestantismo, fiquei comovido com sua descrição a seguir sobre a simplicidade do Protestantismo:


O templo e o culto protestantes não têm de se vestir de ornamentos ilusórios e supérfluos; com efeito, a sua nudez remete para a glória somente de Deus. A precariedade protestante encontra então no provisório uma parte da sua encarnação. Os templos não foram feitos para durar… Num culto demasiado brilhante, o protestante fareja qualquer coisa de adulterado e, sobretudo, uma vaidade sempre possível. “A Deus somente a glória”. No espírito protestante, a riqueza da Igreja – e das igrejas – é excessiva. Não manifestará ela uma infidelidade chocante face à cruz de Jesus?[2]


Ao ler tal descrição da simplicidade histórica do Protestantismo, foi inevitável em meu coração a seguinte indagação: será que aos poucos não estamos perdendo essa simplicidade, seja em nosso modo de viver, seja em nossas liturgias, seja em nossa confissão? Ao volver os meus olhos para o que vem ocorrendo na Igreja Evangélica Brasileira, percebo a perca dessa simplicidade. Como? Gostaria de começar citando a pregação evangélica em nossa nação que, infelizmente, está em crise! A maioria dos pregadores evangélicos que estão na TV hoje (e também muitos em nossas igrejas!), já não pregam mais o evangelho de Cristo, o evangelho da cruz, aquele evangelho cantado no clássico hino incluído também na Harpa Cristã e ali numerado como 291: “Rude Cruz”. Já não vemos mais mensagens sobre essa “Rude Cruz”. Por quê? Por que ela é rude? Por que não “enche igreja?” A tônica da pregação evangélica hoje nem é evangélica! Como nunca antes se usa “você”, “eu”, “vitória”, “sucesso” e afins, caracterizando uma mensagem tipicamente antropocêntrica e de autoajuda, ou ainda, como diria o historiador da UNICAMP, Leandro Karnal, uma “teologia do empreendedorismo”. O triste é saber que um estudioso não evangélico teve essa percepção (verdadeira) a nosso respeito! Diante desse novo formato da pregação evangélica (evangélica!?), pergunto: onde está o “tome a sua cruz e siga-me?” Ou, como diria o já falecido “João Batista do Século 21”[3], não se fala mais em angústia – nas suas palavras: “Ninguém mais quer ouvir isso!”[4] Mas evangelho é também angústia, renúncia, sofrimento. É alegria sim, mas alegria no sofrimento muitas vezes! Um paradoxo? Sim, o evangelho é assim paradoxal. Gagnebin afirma que o templo e o culto protestantes devem remeter somente para a Glória de Deus, mas ao olhar nossa realidade constato com tristeza que nossos cultos (cultos!?) tornaram-se “eventos”, “shows”, que visam mais a promoção da denominação, e não da “Igreja de Cristo”, visam mais a promoção de pessoas, do que da Pessoa de Cristo na vida dos outros.


Recebo na minha página pessoal do facebook muitos cartazes de vigílias, congressos, seminários, etc., que transparecem, notadamente, mais a preocupação com a promoção de indivíduos do que de fato com a difusão do evangelho. Alguns até se ofendem se não aparecer no cartaz o seu rosto. Não que seja de todo contra a publicidade, ou que apareçamos em cartazes (eu mesmo apareço com certa regularidade); minha crítica é que tudo isso seja usado para a promoção do cantor(a) tal, ou do pregador(a) tal, ou do(a) palestrante tal, do que de fato para a proclamação da Palavra de Deus. O anonimato, como já dissemos, é visto como algo rejeitável: “Deus te chamou para brilhar”, é o que ouvimos algumas vezes. Mas esse brilhar não é brilhar de Mateus 5.14, e sim o “brilhar” do sucesso, da fama, do estrelato! Esquecemo-nos do “importa que Ele cresça e eu diminua” e que “longe esteja de mim gloriar-me a não ser na cruz de Cristo”. E se o sucesso não vir, e se a fama não chegar, continuaremos servindo? Estamos dispostos a fazer como Maria, que aprendia aos pés de Cristo, ou faremos como os discípulos que disputavam para saber quem era o mais importante dentre eles? Esquecemo-nos que a Igreja evangélica no Brasil cresceu em grande parte pelo trabalho incansável de anônimos: pastores, missionários, professores de Escola Dominical, líderes de grupos nas igrejas, professores de teologia, etc., que como Paulo, “gastaram e se deixaram gastar” pelo Reino. Pessoas cujos rostos nunca apareceram na TV, ou no Youtube, ou sequer em algum cartaz. Foi no anonimato que fizeram grandes coisas para Deus e pelo Reino. Dia desses, um amigo disse-me: “Roney, seu nome está ecoando!” Isso é preocupante! Muitos nomes estão ecoando na igreja evangélica, mas um só e por um só podem os homens ser salvos – esse nome é JESUS, você se lembra? Por muitos anos criticamos com veemência os católicos por sua idolatria e culto ostentoso, pomposo, mas e hoje, nós, evangélicos, não estamos incorrendo nos mesmos pecados que eles? Creio que o nosso pecado é ainda maior: nossos ídolos são pessoas reais, famosas, que estão no estrelato gospel. Nossos cultos (cultos!?) tornaram-se pomposos e um espaço para a exibição humana, vaidosa, inútil, fútil. Fomos atingidos em cheio por essa síndrome. Chego a pensar que a situação se reverteu: nós agora é que temos que aprender com os católicos. Sua liturgia não abre espaço para tanta exibição humana como vemos hoje em nossas igrejas evangélicas. As pessoas querem “trazer uma saudação”, cantar, pregar no culto não mais para glorificar o nome do Senhor, mas para aparecerem. Acontece muitas vezes (muitas vezes, pode acreditar!) que se um obreiro, cantor(a), pregador(a), etc., chega numa igreja e não recebe a oportunidade, ou no mínimo não é apresentado perante a igreja, ele sai chateado e criticando a liderança da igreja. Isso é um reflexo da perca dessa simplicidade do culto evangélico. Já não nos contentamos em simplesmente participar do culto e “com” e “como” toda a congregação alegremente adorar ao Senhor, rendendo-lhe graças e louvores. Exigimos um espaço de destaque! Gagnebin afirma, como lemos acima, que “Num culto demasiado brilhante, o protestante fareja qualquer coisa de adulterado e, sobretudo, uma vaidade sempre possível”. Todavia, penso, não estamos perdendo esse “farejar”? Oremos a Deus para que possamos ter nosso olfato espiritual restaurado. Concluo com a lancinante indagação de Gagnebin, citada acima: “No espírito protestante, a riqueza da Igreja – e das igrejas – é excessiva. Não manifestará ela uma infidelidade chocante face à cruz de Jesus?”.


 
 
 

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