Parte 1. Síndromes que atingiram em cheio a igreja brasileira
- Crer & Ser
- 20 de fev. de 2019
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de mar. de 2019
“Síndrome” é um termo bem recorrente na Medicina e que acabou se popularizando na sociedade. Uma síndrome é um conjunto de sintomas que caracterizam uma doença, que definem uma determinada patologia ou condição. Em outras palavras, uma síndrome é identificada pelos males físicos e até psicológicos que causam a um indivíduo ou indivíduos. Aliás, o termo é também muito usado na Psicologia. Outra característica das síndromes é que elas atingem sempre a um grande número de pessoas. Aliás, é interessante considerar que o significado etimológico da palavra “síndrome”, oriunda do grego syndromos, é “correr junto”. Tomo aqui emprestada a ideia de síndrome para discorrer sobre alguns males que nos atingiram em cheio, como Igreja de Cristo, em nossa querida nação brasileira.
Usarei a palavra síndrome de forma metafórica para comentar alguns desafios que se colocam diante da Igreja Brasileira. Já de partida, deixo claro que minha proposta não é abordar o erro pelo erro, afinal, isso não nos levaria e nada e nem nos traria edificação. Mas convenhamos, conhecer um mal e conhecê-lo bem nos ajuda a combatê-lo, a evitá-lo. Também não me proponho aqui e usar e abusar do argumentum ad hominem[1], afinal, o que venho compartilhar com o leitor ou leitora neste texto tem por objetivo combater ideias que considero equivocadas, contrárias ao genuíno evangelho, conceitos, pressupostos, e não pessoas. Acredito que pessoas precisam ser ganhas, não combatidas. Evidentemente que alguns poderão sentir-se tocados (e até ofendidos) por abraçarem as ideologias que aqui repudio. Mas isso é inevitável. Reconheço que o posicionar-se sempre gerará críticas. Não estou no ponto da neutralidade! Pois bem, vamos lá.
A primeira “síndrome” que quero abordar é a Síndrome do Grande. Já reparou que se tornou extremamente comum na Igreja Evangélica hoje sempre usarmos a palavra “grande” para tudo: Grande Vigília, Grande Campanha, Grande Estudo Bíblico, Grande Pregador, Grande Palestrante, Grande Igreja, Grande Campo, Grande Pastor, Grande Multidão e a lista prossegue. Parece que o que é pequeno já não tem importância e é até ignominioso. Mas o “pequeno” está mais perto de nós que imaginamos. O que aconteceu conosco? Esquecemo-nos de que o Deus da Bíblia é também o Deus dos pequenos e o Deus das pequenas coisas. Sem dúvida que grandes coisas Ele faz! Mas nosso Deus é também compassivo, misericordioso e atenta para o humilde. Falamos muito de grandes multidões e ambicionamos alcançá-las, mas esquecemo-nos que Jesus ministrou seu maior estudo bíblico para duas pessoas apenas (cf. Lc 24.27). Fala-se muito de “Grande Vigília” e “Grande Campanha”, mas é interessante pensar que pequenos grupos fizeram, com o auxílio do alto, grandes coisas para o Senhor! O “grande” Movimento Pentecostal lança suas raízes numa “pequena” escola de ensino bíblico nos Estados Unidos. “Grandes” denominações cristãs começaram com “pequenos” grupos. Isso nos lembra dos 300 com Gideão, ou ainda, dos 120 no cenáculo no dia de Pentecostes – pequenos grupos que fizeram grandes coisas para o Senhor. Deixo claro que não estou defendendo a ideia de que “Deus não se preocupa com quantidade e sim com qualidade”.
Não! Deus se preocupa com quantidade e com qualidade, afinal, Ele quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2.4). Mas hoje passamos a valorar uma igreja ou um ministério por seus índices elevados e números astronômicos (tantos membros, tantas congregações, etc.). Lembremo-nos que há muitos irmãos, em pequenas comunidades, com poucos recursos e com poucos membros que estão sim fazendo grandes coisas para o Senhor. O “grande” para Deus muitas vezes é justamente o que reputamos por “pequeno”. Lembra-se da “pequena” oferta da viúva em contraste com as “grandes” ofertas dos ricos? Já não valoramos mais nossas ações, ministérios e trabalho por uma ética bíblica, por princípios cristãos genuínos, mas por números elevados. Deus está vendo isso e nos julgará por isso! Quantas surpresas teremos no Tribunal de Cristo onde, conforme ensina Paulo, “cada um receberá segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem ou mal” (1 Co 5.10), e não tanto por seus elevados números. Para justificar a Síndrome do Grande (muitos doentes demoram a reconhecer seu estado) até citamos importantes homens de Deus do passado, como Moody: “Moody ganhou um milhão de almas para Cristo”. Mas é bom lembrar que esse mesmo Moody, um dia, ao estudar sobre a doutrina da graça de Deus ficou tão comovido que saiu na rua e parou a primeira pessoa que encontrou e lhe disse: “Você conhece a graça de Deus?” O mesmo Moody que evangelizou milhares de pessoas, também foi capaz de evangelizar uma pessoa apenas. Fomos atingidos em cheio por essa síndrome. Precisamos dar meia volta, afinal, “quem desprezou o dia dos pequenos acontecimentos?” – Atenção: “pequenos acontecimentos” (Zc 4.10).
Outra “síndrome” perigosa que graça na Igreja brasileira é a Síndrome da Popularidade. Os que são atingidos por essa síndrome, costumam valorar o ministério de uma pessoa, ou a prosperidade de uma igreja, conforme sua visibilidade. Nesse sentido, a mídia já não é mais usada por nós para anunciar o evangelho, mas para anunciar a nós mesmos. Repare nos principais programas evangélicos que hoje são veiculados na mídia brasileira a ênfase sempre exagerada que eles dão ao televangelista ou ao fundador da denominação. Tudo gira em torno desses famosos. Seu rosto aparece o tempo todo. É mesmo uma promoção pessoal e não do evangelho de Cristo. A preocupação de Paulo era anunciar o evangelho e a Cristo, e este crucificado (1 Co 2.2). Mas essa realidade está mais perto de nós do que pensamos. Quantas vezes ouvimos pregadores, em nossos púlpitos, dizerem: “Deus vai te tirar do anonimato!” como se o anonimato (a não popularidade) fosse uma maldição. Será? Será que Deus está mesmo preocupado em tirar tantas pessoas assim do anonimato? Particularmente, desconfio que não. São justamente os anônimos que movem o Reino de Deus. São pessoas que nem sabemos que existem, que nunca vimos na TV, em outdoors ou revistas de grande circulação que estão dando suas vidas pela causa do Reino, nos hospitais, nos presídios, nas ruas, entre dependentes químicos, entre indígenas, entre procrastinados, entre famintos, entre os marginalizados. São anônimos que lhe recebem na portaria da sua igreja, nos cultos à noite; são anônimos que limpam os bancos onde nos sentamos e lavam os banheiros que iremos usar no templo. São anônimos que estão nas nossas Escolas Dominicais ensinando a Palavra de Deus, que tantos benefícios trazem à nós e às nossas famílias. Talvez você nem se lembre mais de quem foi que um dia lhe conduziu a Cristo – um anônimo. Enfim, pessoas abnegadas, que dão à sua vida pelo Reino no anonimato. Você ainda quer sair do anonimato?
O evangelho de Cristo implica renúncia ao eu, ao orgulho ostentoso, à vaidade pessoal. O púlpito cristão deve ser usado para anunciar a salvação em Cristo e para a promoção do genuíno ensino bíblico, que edifica vidas. Uma igreja não deve ser medida por suas altas cifras, e um ministério não deve ser valorado pela visibilidade que tem, mas sim pelo seu comprometimento com a Palavra de Deus e com o Deus da Palavra. “Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”, foi o que disse o abnegado missionário ao fazer um levantamento do seu ministério. Ele não disse como dizemos hoje: “ganhei tantas almas, fundei tantas igrejas, lancei tantos livros…” Números, números, popularidade, popularidade… não, nada disso.
Termino este texto convidando a todos os leitores a refletirem sobre essas “síndromes”, que contribuem para que nosso povo não amadureça na fé, mas viva um cristianismo raso, de recompensas em recompensas, interesseiro. Deus nos dê graça para vivermos com saúde espiritual!
Continua...
Autor: Roney Ricardo Cozzer
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