Parte 2. Confissões de um pentecostal
- Crer & Ser
- 27 de fev. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de mar. de 2019
Confesso que vi a religiosidade tomar o lugar da santificação bíblica entre nós. Muita religiosidade tem marcado nossa trajetória, infelizmente. E por “religiosidade” aqui não me refiro àquela espiritualidade sadia que marca o genuíno Pentecostalismo, mas sim àquelas práticas que conquanto travestidas de piedade cristã, apenas revestem um coração egoísta, interesseiro, apodrecido, que não reconhece suas próprias mazelas. Como pentecostal, tenho visto as pessoas usarem a Bíblia e Deus em nossas igrejas para legitimar seu próprio poder, sua incapacidade de “passar o cajado” a outros, de compartilhar. Em nome da ortodoxia muitos se tornam indiferentes à condição alheia e as circunstâncias difíceis que envolvem a vida das pessoas.
Temos vivido de fórmulas prontas e usamos essas fórmulas para explicar os acertos e fracassos dos outros, quando na verdade a vida é um complexo de coisas, de circunstâncias e de fatos específicos para cada um de nós.Criticamos quem se divorciou porque a fórmula diz que “divorciar-se é pecado”, mas esquecemos que a Igreja, décadas atrás, “empurrou” para o casamento uma geração de jovens totalmente despreparados e imaturos em nome da santificação. Esses jovens, hoje, estão se divorciando. Criticamos os desigrejados porque a fórmula diz que “é preciso congregar”, mas sejamos sinceros: poucos ambientes hoje são tão adoecedores como o ambiente eclesial. E nós fizemos dele o que se tornou. Naturalmente, nem todos suportam esse ambiente e eu respeito sua escolha, ainda que entenda que não seja uma saída viável para o problema da Igreja. Não raro, envolver-se em atividades de uma igreja local é sinônimo de adoecimento emocional. Sei que é duro, e sei que poucos tem coragem de escrever e falar isto, mas é uma verdade.
Confesso que vi pessoas sinceras e abnegadas pela Obra de Deus definharem psicologicamente em nosso meio como resultado de manobras político-ministeriais e de interesses mesquinhos em nosso meio. Obreiros tratados como peças de um tabuleiro de xadrez, “movidos” e usados a bel-prazer de líderes que encaram a Igreja como seu patrimônio pessoal e não como o rebanho do Senhor. Em nome da ortodoxia pentecostal, decidimos quem sobe e quem desce. Já vi muitas vezes crentes falando do Inferno com satisfação quase orgástica e diante disto, sempre me espantava com essa postura, postura semelhante à do fariseu que dizia em relação ao publicano: “Não sou como os outros homens…” (Lc 18.11). D. L. Moody, o grande evangelista do século 19, embargava a voz quando falava sobre o Inferno; nós, vibramos ao fazê-lo. Onde foi que nos perdemos? O que aconteceu conosco? O pecado alheio é motivo de conversa para pelo menos um mês, e sempre nos lembramos dos erros das pessoas, mesmo que suas qualidades e contribuições sejam muito maiores. E ainda legitimamos esta tendência nossa de realçar os erros das pessoas mais que suas qualidades, acreditando que tem que ser assim mesmo. A verdade é que agimos assim porque nos tornamos medíocres, porque colocamos os erros das pessoas acima delas mesmas e somos incapazes de perdoar e amar, embora falemos tanto sobre perdão e amor em nossas pregações.
Confesso que vi a Apologética pentecostal tornar-se mais um “cavalo de batalha” do que uma ferramenta de convencimento ao Evangelho. Talvez eu não seja mais tão fervoroso, talvez eu não seja mais tão engajado na evangelização, talvez eu precise sim testemunhar mais de Cristo às pessoas ao meu redor. Por que não pedir ao Senhor que me ajude a agir assim e agradá-lo desta forma? Todavia, estou convencido de que os rumos que nossa Apologética tomou é ainda pior do que uma possível apatia quanto à evangelização e “defesa” da fé. Nossa Apologética deixou de ser apologia (“defesa” em grego) para se tornar ataque, agressão, desrespeito à confessionalidade alheia.
Há um tempo participava de um grupo de Whatsapp e vi ali barbaridades. Cristãos tripudiando testemunhas de Jeová e adventistas, com memes e expressões de zombaria. Fiquei horrorizado. Tentei dialogar com o administrador do grupo, um conhecido “apologista” cristão no Brasil. Não demorou para que ele produzisse ataques pessoais (mesmo sem sequer me conhecer) e colocar em xeque meu cristianismo. Escrevi a ele dizendo que pensava o papel da Apologética não daquela forma que estava presenciando ali no grupo (uma Apologética que agride, que fere, que zomba), mas sim uma “Apologética gentil”, que convence pelo diálogo, pelo amor e não pelo interesse em simplesmente vencer o debate e humilhar o herege. Esse “apologista” me retrucou, em tom de zombaria, dizendo que esperava que meu método funcionasse, ao que eu respondi dizendo que eu não estava propondo nenhum novo método, apenas tentando resgatar princípios bíblicos no que diz respeito à defesa da fé. Não foi possível prosseguir com ele, dada a sua hostilidade. Coração apertado, no dia seguinte enviei uma mensagem buscando uma aproximação e minimizar o mal estar. Ele ignorou! Veja: é este tipo de “cristianismo” que se coloca diante de nós, é este tipo de “cristianismo” que marca as igrejas da região onde morei durante duas décadas, Porto de Santana (Cariacica, ES), e no Brasil inteiro. Um “cristianismo” que repele quem pensa diferente, que agride quem reflete e que coloca a doutrina como antagônica ao amor. Ortodoxia sem misericórdia. “Defesa da fé” sem resgate do outro.
No Pentecostalismo, confesso que vi as pessoas recitarem versículos e mais versículos de cor sem, contudo, conhecer efetivamente as Escrituras. E isto inclusive é usado como meio de auferir se alguém está sendo bíblico ou não. Multiplicam-se os “cabeças de Bíblia”, extingue-se a ética cristã. As pregações pentecostais tornaram-se “recheadas” de versículos e mais versículos bíblicos recitados no estilo “metralhadora”, mas cada vez mais desprovidas de sentido, de coerência e de progressão. O interesse pela Bíblia é mais para legitimar o que será dito por parte do pregador do que para orientar a pregação. É um contrassenso…
Não podemos negar que o Movimento Pentecostal provocou em milhões de pessoas o interesse pela leitura da Bíblia, fenômeno estudado pela Academia, mas em nosso meio, infelizmente, multiplicaram-se os “doutores em Teologia” na mesma proporção em que o “analfabetismo bíblico” cresceu vertiginosamente. Convivemos com gente que compra certificados na internet e enche o peito para dizer que sabe muito, e com isso depreciam a Teologia e banalizam a formação teológica. Não participam de programas sérios de Teologia, mas buscam os caminhos mais fáceis em sua tosca obsessão por um “diploma” de Teologia, e não pelo conhecimento teológico propriamente dito.
Confesso que vários dos problemas que aqui alisto, existentes no seio do Pentecostalismo, não são de agora, mas ainda assim não consigo deixar de pensar no Pentecostalismo em termos de um antes e um depois. Isto porque eu mesmo vivi um Pentecostalismo simples, puro, sincero, marcado por lágrimas, alteridade, amor ao outro e senso de serviço a Cristo. Confesso que continuo crendo que este tipo de Pentecostalismo continuo vivo, ainda que fluindo como água em meio a duras rochas no solo da institucionalização que oprime, que afasta, que nos distancia do Evangelho. Com efeito, temos homens e mulheres de Deus, sinceros, que amam a Deus e a Sua Igreja e se esforçam por ela. Gente que não é santa, mas pecadores em santificação. Gente que prossegue mesmo com pouca força e é capaz de abraçar o desviado, o homossexual, quem adulterou, o assassino, o herege e qualquer outra pessoa e lhe mostrar o amor de Cristo que existe em si mesma.
Confesso que continuo sendo pentecostal, mas a vivência cotidiana, os sofrimentos pelos quais passei no ministério cristão e a leitura constante do Evangelho me levaram sim a uma reformulação, revisão e abertura quanto a dogmas e práticas, sem, necessariamente, deixar de ser ortodoxo, bíblico e pentecostal. Nossa crença é um conjunto de convicções, que em grande medida nos foram legadas de modo pronto e fechado, como um pacote entregue que simplesmente acolhemos em nossos braços. Mas nem sempre essas fórmulas se mostram eficazes, praticáveis e ainda, cristãs. No discurso caem muito bem, na vida real muitas vezes são impraticáveis. E o pior: essas fórmulas muitas vezes são eclesiais, não bíblicas. Ajustamos a Bíblia ao que nós mesmos cremos e afirmamos. E isto tem dado lugar a muita incompreensão e até mesmo intolerância com aqueles que não se encaixam nesses rótulos eclesiais.
Assim, prossigo ponderando sobre várias questões que perfazem nossa cosmovisão pentecostal. Para mim, o pecado continua sendo pecado, mas lido com o fato de que somos – todos sem exceção – pecadores. Entendo que nossa ortodoxia deve ser regida pela graça de Deus e que o juízo divino é sim real, mas me furto desse Deus tirano e cruel que só está na boca daqueles que se consideram mais santos que os outros. Prossigo crendo sim que a Bíblia é suficiente, mas não exaustiva. Por isto mesmo Deus nos deu a razão e o bom senso como ferramentas auxiliares para entender o mundo que nos envolve e cumprir nossa missão que se resume na fala de alguém: “A Igreja não é um museu de santos, mas um hospital para pecadores”.
Autor: Roney Cozzer
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